há um mês a gente se encontra todos os dias. encontros reais, sem pressa. tomamos café na cama juntas quase sempre, mas vez ou outra dou preferência a um livro ou podcast como companhia. a gente tem se conhecido melhor – reconhecido – e tem sido interessante. ela me repreende, mas me acolhe. me julga por aquela mensagem, mas entende que era falta, saudade, não carência. temos discussões bobas e existenciais.
ela sabe fazer as críticas que realmente doem, mas vez ou outra faz uns elogios legais. ela é chata pra caralho, mas não reclama de estar trancada em casa, ri da minha cara felizinha quando digo que to cozinhando umas coisas bem boas, me olha com carinho nos dias difíceis, briga comigo na tpm e diz que to insuportável, mas me faz uma boa massagem nas pernas pra relaxar. valida minhas rugas, estrias, celulites, pêlos, vontades, desejos, impulsos, me manda embora da cama em dias bonitos e diz que tudo bem ficar o dia inteiro embaixo do edredom quando o céu tá cinza, desde que eu levante pra pegar comida. limites. concordamos.
ela diz que eu devia usar aquele vestido bonito pra trabalhar em casa mesmo, dança comigo e me deixa dançar sozinha. ela entende. quase sempre.
às vezes ela não quer falar comigo, quer distância, não suporta ouvir minha voz, não aguenta meus ciclos, meus quereres, minhas repetições, minhas intensidades. às vezes ela me enlouquece, mas me acompanha num chá quando to mal, divide meias garrafas de vinho, cervejas no almoço de domingo, prepara gin tônica com limão siciliano do jeito que eu gosto, me lembra daquela música felizinha pra dançar na cozinha e daquela música pra abraçar a alma enquanto abraço o travesseiro. entende quando eu preciso ficar quieta, em silêncio. sozinha. só.
ela me chama de ridícula e ri comigo da vida. me diz quando o céu tá bonito, me lembra de olhar a lua e de correr pra pegar aquele raiozinho de sol no meio da manhã. rimos lembrando que meses atrás fugi pro meio do mato num isolamento voluntário… e já estou pensando em repetir quando o isolamento obrigatório passar. vemos fotos juntas, sentimos saudades juntas, choramos juntas também.
é massa perceber que ela é, sim, a melhor companhia que eu podia ter nessa quarentena… e em todas as outras situações da vida. tem sido dias de olhos nos olhos, observando detalhes, sensações. nossos reencontros tem sido bonitos.
há um mês me olho no espelho todos os dias e, às vezes, me vejo.